Berimbau Me Confirmou – Chapada Diamantina

Seguindo o título desse post, faço também o uso dessa belíssima música do Vinícius e Powell como a trilha sonora para escrever minha experiência no coração da terra do berimbau. E lá vamos nós para a Bahia, com H.

É indiscutível a imensidão do Brasil e suas inúmeras belezas naturais. Por baixo, precisaríamos viver alguns séculos para conseguir visitar suas mais famosas cachoeiras, praias e montanhas, além de contemplar cada pedaço de céu.

Mesmo assim, não desanimem, meus caros aventureiros, nossa terrinha tem os que considero grandes templos naturais e que podem ser visitados durante nossa breve vida. Os templos aos quais me refiro são as chapadas, sendo as mais conhecidas:    

  • Chapada Diamantina – BA
  • Chapada das Mesas – MA
  • Chapada dos Guimaräes – MT
  • Chapada dos Veadeiros – GO
  • Chapada do Araripe – PE

Foto no início do post: vista do morro Pai Inácio.

Por definição, as chapadas são regiões planas no alto de serras. É essa característica que coroa essas formações com uma beleza rara, dando a impressão de que a terra foi minuciosamente elevada. A minha escolha foi a Diamantina, que por trás de sua beleza possui uma sombra de exploração e ganância humana.

Planejamento e reserva de pacotes: O planejamento começou com uma pesquisa extensiva da região, dos passeios e trilhas disponíveis. Em seguida, comecei a entrar em contato com as agências de turismo e guias.   Meu objetivo no período de 11 dias era cruzar a chapada por meio de trilhas e reservar os dias restantes para visitar os lugares mais populares.

O roteiro se resumiu em: Morro Pai Inácio, Cachoeira da Fumaça por baixo e por cima (trilha de 3 dias), Vale do Pati (trilha de 4 dias), Poço Azul, Poço Encantado e Cachoeira do Buracão. Os detalhes do roteiro estão neste link. Qualquer dúvida ou detalhe não hesite em entrar em contato.   Os nomes e links das agências onde fiz o orçamento foram: Nas Alturas, Free Way, Aventurismus, Trilha das Montanhas, Volta ao Parque, Fora da Trilha,TerraChapada e Zen Tur.  

As agências possuem roteiros e pacotes diversos que se adaptam ao perfil do turista. O valor do pacote pode variar em até 2x e sugiro uma pesquisa em pelo menos 3 agências.   Acabei fechando com a Aventurismus. Além de me identificar com o perfil da agência, sem muita frescura e luxo, o dono Fernando foi bastante sincero, amigo e atencioso em todos os contatos que tivemos. Por fim, foi o melhor custo-benefício que encontrei. Reservei com um depósito de 50% e o restante foi pago no local.

Como chegar: A partir de Salvador, os métodos mais usuais para se chegar à Chapada são aluguel de carro ou ônibus de viagem. Caso você esteja em grupo, conhece razoavelmente as estradas ao redor da Chapada e está no clima de dirigir para conhecer todas cidades, alugar um carro pode ser uma boa escolha. Caso seu principal objetivo seja fazer muitas trilhas e, em segundo plano, conhecer as cidades, recomendo ir de ônibus.

A empresa de ônibus é a RealExpresso, no site é possível consultar os horários e já comprar as passagens com antecedência.   Se vocé tem um planejamento onde o custo não importa tanto frente ao conforto, é possível pegar um avião pequeno de Salvador para Lençóis. O custo é normalmente alto e o itinerário é restrito à poucos dias na semana.

Lençóis, primeiras impressões

Algumas pequenas cidades e vilarejos circundam a chapada sendo a principal delas Lençóis. Também há Itagu, Mucugê, Guiné e Capão.

Chegando em Lençóis tive uma boa sensação na sua rodoviária pequena, ruas de pedra, casarões reformados e o calor baiano rachando a cachola, como de costume.

A cidade é pequena porém bem preparada para agradar à brasileiros e troianos, além da grande quantidade de visitantes estrangeiros. Seus restaurantes e bares confortáveis e bem decorados servem desde comidas veganas e orgânicas até a boa e velha pizza.

Chegando em Lençóis tive uma boa sensação na sua rodoviária pequena, ruas de pedra, casarões reformados e o calor baiano rachando a cachola, como de costume. A cidade é pequena porém bem preparada para agradar à brasileiros e troianos, além da grande quantidade de visitantes estrangeiros. Seus restaurantes e bares confortáveis e bem decorados servem desde comidas veganas e orgânicas até a boa e velha pizza.  

Vista da ponte na entrada de Lençóis.
Preserve.
Um dos muitos restaurantes rústicos em Lençóis, nas ruas de pedra.

Fui recebido pelo filho do Fernando que me levou até a agência para fazer o check-in. Depois disso, saí para andar pela cidade, pegar um mapa e almoçar. No fim da tarde fui de carro com o primeiro guia para o Morro do Pai Inácio, cartão postal da Chapada. É um camarote natural de acesso relativamente fácil de onde pode-se ver a Chapada como um todo, uma vista muito bonita! O morro foi batizado com esse nome devido à lenda de um escravo que pulou lá de cima com um guarda-chuva e desapareceu, após ter engravidado a filha de um fazendeiro da região.   À noite, fui jantar em um restaurante chamado Bodega, uma ótima pizza.   Poços Encantado e Azul 

Casa tradicional do sertão, na entrada dos Poços.

A saída até os poços foi na manhã do dia seguinte, uma van veio até o Aventurismus, onde eu fiquei hospedado. Dali passamos por outras pousadas e hotéis até reunir o restante do grupo e seguir para os poços.

A viagem é longa e como a estrada que circunda a chapada é toda pista simples, cada caminhão a ser ultrapassado somava mais tempo à viagem.   Os poços dependem muito da posição do sol e iluminação para refletirem sua versão mais bonita, assim, é recomendado chegar no Poço Encantado antes do meio-dia e no poço Azul após 1pm.

Ambos ficam dentro de cavernas e a vista do Encantado é quase indescritível, um azul profundo toma conta do lugar assim que os raios de sol entram e mergulham no poço. Não é permitido nadar no Encantado por questões de conservação e para manter as partículas sólidas no fundo, garantindo uma água mais cristalina.

No poço Azul a visão não é como do Encantado mas lá é permitido nadar e se refrescar.  

Poço Encantado.
Poço Azul.

Almoçamos ali no Encantado mesmo, o bom e velho arroz e feijão, com bife e uma pimenta baiana para esquentar o corpo após o mergulho. Conversando com dois paulistanos, comentamos sobre a diversidade dos visitantes ali, passando por artistas, médicos, analistas, estudantes, advogados, engenheiros, professores, hippies e andarilhos.

Naquela noite descansei bem pois no outro dia começariam as trilhas longas. A aventura ficaria intensa. Desliguei o celular na manhã do dia seguinte pois não teria mais sinal por 7 dias e, por isso, avisei a todos da minha família que estaria no meio do mato. Em Capão, para minha surpresa, consegui sinal para dar sinal de vida para então ficar mais 4 dias off.

Cachoeira da Fumaça por baixo – dia 1

A trilha da cachoeira da fumaça por baixo é considerada uma das mais dificeis do parque, não à toa, leva ao lugar onde está uma das maiores cachoeiras da América Latina, com 360m de altura, uma das mais bonitas que já vi na vida.

Devido à dificuldade da trilha, desde a reserva até o momento de sair não conseguimos mais pessoas para se juntar a nós e por fim fomos só eu e o guia, conhecido na região como Puma. O Puma foi um excelente guia, apesar de ser um “natty-dread” arisco e rígido em certos momentos, herança de seu treinamento no exército em Salvador, foi profissional em todos os momentos e demonstrou ter experiência e sabedoria. Aprendi bastante com ele, em confiar em nós mesmos, estar atento a cada passo, respeitando a natureza e, por fim, conhecer nossos limites e lidar com eles.  

Puma.

Outro aprendizado foi de viajar extremamente leve, abandonando as coisas supérfluas. Ao fazer a mochila, tentei ser o mais desapegado possível, porém, após o Puma revisar, acabei deixando metade das roupas e utensílios iniciais. Como carregaríamos a comida e sacos de dormir para os 3 dias, precisávamos de espaço. Disse sacos de dormir porque optei por não levar barracas e dormir nas cavernas e abrigos naturais, isso mesmo, no modo primata. Conto a experiência mais a frente.

Depois de arrumar tudo, saímos na caminhada a passos rápidos. Entramos na trilha no final da cidade e a partir dali já comecei a ver uma variação na vegetação. Além de toda a beleza da chapada, ela também tem uma característica única: com suas altas montanhas cercando o vale, acaba se tornando uma fortaleza e barreira ao clima árido do sertão baiano.

Assim, durante a caminhada é possível passar da caatinga para o serrado, do serrado para a mata atlântica e assim por diante.   Após algumas horas de caminhada, atravessamos um largo rio e então começamos um subida mais íngrime para então voltar a descer. Nesse primeiro dia encontramos poucas pessoas, grupos de 2 ou 3, além de alguns gringos sozinhos.

Até a primeira pernoite a trilha era visível mas nos dias seguintes não tinha um caminho claro e o guia seguia mais por instinto e experiência. Eu ficaria perdido depois de 10 passos sem referência. Passamos pela Toca da Onça e cachoeira do Palmital nesse primeiro trecho. A cachoeira do Palmital descia por uma paredão construído perfeitamente em camadas, como muitas das cachoerias dali, estava intacta em meio a mata e pude ficar nadando sozinho por um bom tempo, enquanto o Puma ia encontrar um lugar para passar a noite.

Cachoeira Palmital.

Falando em cachoeiras, a chapada tem mais de 100, além das inúmeras grutas. Aqui está um ranking das 10 cachoeiras mais altas:

  • Fumaça (360 metros), Vale do Capão / Palmeiras
  • Cachoeirão (270 m), Vale do Pati
  • Encantada (230 m), Itaetê
  • Cristais (110 m), Andaraí
  • Fumacinha (100 m), Mucugê
  • Cachoeira do Herculano (100 m), Andaraí
  • Samuel (100 m), Andaraí
  • Ferro Doido (96 m), Morro do Chapéu
  • Ramalho (90 m), Andaraí
  • Buracão (85 m), Ibicoara

Por essa infinidade de opções que coloco a chapada no topo da minha lista de lugares para visitar novamente.   Após o cansaço de um dia longo de caminhada, o cheiro de cebola e alho fritos devolvia boa parte da energia, algo simples mas que naqueles momentos eram de valor incalculável.

O Puma quem foi o cozinheiro das trilhas e preparou jantares dignos de restaurante nas suas panelas amassadas no fogo à lenha, improvisado no meio das pedras. Na primeira noite o prato foi frango e arroz à grega. Nesse dia encontramos outro guia levando alguns franceses e alemãs, após jantar ficamos batendo papo numa fogueira com eles e tomando vinho.  

Quarto e Cozinha.
Vizinhos.
Cachoeira Capivari.

Sobre os guias, recomendo buscar ao menos algumas avaliações antes de contratar, esse guia que encontramos fumava igual uma chaminé e não parecia ser tão atencioso.   Para dormir, o Puma encontrou um abrigo de pedra sob a montanha, uma varanda, onde conseguimos esticar o colchão isolante e os sacos de dormir.

Por incrível que pareça, as noites foram bem tranquilas e o Puma só recomendava jogar os restos de comida longe para evitar aproximação de animais. O cansaço somado ao barulho da água dos rios, que sempre estavam próximos dos acampamentos, proporcionavam sonhos tão profundos quando a própria fenda dos vales da Chapada.

Cachoeira da Fumaça por baixo – dia 2

Saímos bem cedo no segundo dia, acompanhando o grupo do outro guia em uma caminhada bastante puxada, subindo paralelo ao rio da cachoeira Capivari. Às vezes, atravessávamos o rio de um lado para outro, de acordo com a dificuldade da trilha. Após sujar as botas de barro e lavar diversas vezes chegamos à caverna do Macaco, onde nos despedimos do outro grupo e seguimos sozinhos até a Fumaça.  

Caverna do Macaco.

Nesse trecho final já não havia nenhuma trilha clara e confiei no instinto e experiência do Puma. Aceleramos bastante para conseguir chegar ainda com a claridade do dia na área onde acamparíamos. A área, conhecida como “Diretoria”, foi batizada assim por proporcionar uma visão da cachoeira digna dessa patente.  

No final da tarde, após grande esforço e longa caminhada, eu estava no meu limite psicológico, com a mochila aparentando pesar 200kg. O Puma, com seu temperamento de sargento, me desafiava a acelerar ainda mais o passo e nesses últimos metros tive que manter a concentração e praticar minha resiliência para não desistir.

Quando chegamos na encosta do vale, avistamos a cachoeira. A altura era tamanha que a água se dissipava em um vapor no meio do caminho, se condensando novamente no paredão abaixo para finalmente formar pequenas quedas próximas ao solo, filhas da queda principal. Torcíamos o pescoço para conseguir enchergar o topo e aquela brisa vinda do céu. À noite, a lua estava forte no céu mas mesmo assim não era possível ver o topo da cachoeira, dando a impressão de que a queda se formava nas nuvens.   Estava muito frio mas a hipnose causada pela cachoeira e fome anularam as outras sensações. Após comer, dormi pesado ao som da cachoeira. Feliz por ter completado  

Cachoeira da Fumaça

Cachoeira da Fumaça por baixo / cima – dia 3

No último dia, novamente saímos bem cedo do acampamento, após o café renovador. Agora desceríamos um pouco pelo rio formado pela cachoeira para então subir pela fenda e chegar na cachoeira por cima.  

A subida até a fenda foi pesada, aproximadamente 350m verticais em 1h30, na mata fechada com pedras de todos os tipos e tamanhos. Para aumentar a emoção encontramos uma cobra no caminho, o Puma, no modo rambo, enrolou-a num galho e arremessou-a para longe.  

Chegando no topo da fenda caminhamos por um planalto até finalmente chegar novamente em grupos de humanos de mais de 3 pessoas. A chegada foi muito interessante pois a imersão na natureza nos dias anteriores havia sido tão grande que já havia desacostumado com murmúrios, conversas ruidosas e grupos grandes de pessoas. Fiquei ali introvertido, eu e a Chapada, como se fosse um bicho fugitivo da mata, apreciando a bonita da cachoeira por cima.  

Fumaça vista de cima.
Fumaça vista de cima.
Cachoeira do Riachinho.

Após um punhado de horas, começamos a descer até o vilarejo de Capão. Comi o famoso pastel de palmito de Jaca e ainda fui para a cachoeira do Riachinho. Finalmente fui até a pousada tomar um bom banho e colocar roupas secas e limpas.

Capão é a São Thomé das Letras da Chapada, com apenas uma rua principal de terra e pedra, transpira um exoterismo muito similar à cidade mineira. Há feirinha de domingo, alguns restaurantes bem rústicos, onde comi uma pizza e também barzinhos com música ao vivo. Acabei passando um tempo em um bar que tocava jazz, para minha surpresa, e então voltar à pousada.  

Ruas de Capão.

Vale do Pati – de Guiné a Andaraí em 4 dias

A missão cachoeira da Fumaça foi um sucesso e agora faríamos o Vale do Pati em 4 dias. Também caminhando muito mas agora as noites seriam mais aconchegantes, em casas de nativos. Nesse trecho da viagem conheci muito mais sobre a história e vida dos moradores na Chapada, sua cultura e economia.

Para esse trecho, um casal de holandeses nos acompanhou, o que foi ótimo pois trouxe mais assuntos e pontos de vista durante o passeio. Na pousada, pela manhã, já tivemos a primeira interação ao ver alguns macacos comendo mamãos, deixados de propósito em uma árvore.  

Saindo de carro de Capão e descendo até Guiné, a vista do paredão à esquerda do caminho era muito bonita, reforçando a impressão da Chapada ser uma fortaleza natural. Paramos em Guiné apenas para comprar alguns mantimentos para então desembarcar no começo da trilha. O sol esteve forte durante todo o percurso então não se esqueçam de levar bastante protetor solar e, se possível, um chapéu, boné ou lenço.  

No início da trilha já fomos surpreendidos por um enxame de abelhas passando a alguns metros de nossa cabeça. Todos ficamos deitados no chão esperando o sinal do Puma para seguir a caminhada.

O planalto até chegar ao mirante é de tirar o fôlego e após passar por alguns riachos e campos com vegetação baixa chegamos ao mirante. Lá é possível ter uma visão de todo o vale, destacando sua imensidão. A Chapada já foi um oceano no passado distante e o formato dos seus paredões evidencia isso.  

Vista do Mirante – O Vale.

Chegamos à vila da Igrejinha, do seu João, conhecendo outros grupos que estavam ali para outros esportes, como escalada. Os guias se reuniram no jantar para preparar um verdadeiro banquete, dessa vez comemos moqueca de peixe com batatas. O café também foi excelente e necessário para repor as energias que seriam gastas ao longo do dia.   Todas as casas por onde passamos no vale possuíam painéis solares, foi uma surpresa muito positiva ver a adoção dessa tecnologia limpa pelos nativos.

Os painéis garantiam a iluminação durante uma boa parte da noite. Outro detalhe é que a água dos chuveiros, proveniente de aquecedores solares, poderia ser quente caso o dia tivesse sido ensolarado – algo não muito difícil por ali.

Durante o segundo dia descemos pela cachoeira do Funil com ajuda de cordas para não escorregar nas pedras. Passamos pelo segundo vilarejo e então subimos até o Morro do Castelo, após atravessar uma caverna gigante no caminho. A vista de cima do Morro valia muito a pena, passando pela entrada do vale via Guiné até a própria cachoeira do Funil ao longe.      

Cachoeira do Funil.
Caverna para chegar no Morro do Castelo.
Fazendo o rango.

No segundo vilarejo, de Dona Raquel, encontramos com um grupo de capoeira, que fizeram um som durante o jantar, preparado no forno à lenha. Muita conversa, música, pandeiro e lasanha para rechear a noite.  

Berimbau me confirmou novamente!

Terceiro dia e dessa vez fomos em passo apertado para tentar conhecer o Cachoeirão por cima e por baixo. Havia chovido durante a noite e as trilhas estavam mais traiçoeiras.

Chegamos ao Cachoeirão e fomos mais uma vez contemplados com uma vista espetacular do vale. É possível ver a paisagem de ambos os lados e também sentar-se em uma rocha para ter a sensação de estar voando à 200m de altura, sobre as diversas quedas de cachoeiras descendo vagarosamente pelo vale.  

Vista do Cachoeirão.
Sem comentários para essa imagem…

Continuamos em um ritmo forte para tentar chegar no Cachoeirão por baixo mas o grupo agora era grande. Encontramos um pernambucano que tinha chegado desde Recife de bicicleta, corajoso!   O Puma disse que não conseguiríamos chegar e voltar antes do anoitecer e por isso voltamos no meio do caminho, rumo à próxima morada. Esse trecho passava por uma mata bastante densa e a sensação era de estar entrando no coração da Chapada, descendo cada vez mais fundo até o seu núcleo.

Na última casa de nativos que ficamos o ambiente era simples mas as pessoas muito receptivas como todos até então. Eram os netos do senhor Eduardo, dono da casa e sanfoneiro dos bons, falecido há alguns anos. Ficamos comendo pão feito no fogão à lenha e ouvindo histórias dos tempos em que onças habitavam a chapada.  

A gota.
Senhor Eduardo.

A população de nativos do Vale do Pati chegava a 2 mil em seu auge, quando a cultura do café era forte. Hoje, aproximadamente 30-50 pessoas vivem na região e sobrevivem principalmente do turismo e do transporte de carga com mulas.

Manhã do quarto dia, o Puma já chamava lá da cozinha da casa do senhor Eduardo para que saíssemos cedo. A caminhada duraria o dia todo até chegar em Andaraí. O começo da trilha foi tranquilo, com um caminho aberto, usado por mulas para levar suprimentos ao Vale. A segunda parte da trilha era a famosa Estrada Imperial, construída por escravos no Séc. XIX. Subimos por 2h e, quando começamos a descer, a holandesa começou a sentir seu joelho.

Tivemos que parar várias vezes para esperá-la enquanto o sol nos conzinhava  mais e mais. A partir de um trecho onde a trilha já não tinha bifurcações, fui com o pernambucano na frente enquanto Puma acompanhava o restante do grupo.  

Grupo reunido.

Chegamos em Andaraí exaustos, com o estômago colado mas satisfeitos por completar os 7 dias de trilha, paisagens magníficas, cachoeiras, animais silvestres, imersão na natureza e reflexões. Uma experiência única dentro do nosso gigantesco país. No fim da tarde, após me despedir de todos, um motorista me encontrou para fazer o caminho até Ibicoara, onde dormiria para então visitar a Cachoeira do Buracão, a última dessa viagem. Passamos pelo Cemitério Bizantino, onde só paramos para tirar uma foto.  

Cemitério Bizantino.

Cachoeira do Buracão

Ibicoara é uma cidade sem muito sal. Já a natureza ao seu redor briga de igual para igual com o restante da Chapada. A cachoeira fica no Parque do Esparramado e para fomentar o turismo e movimentar a economia de Ibicoara, só é possível ir até a cachoeira com um guia local. Assim, o motorista que me levou até a cidade passou na central de turismo para encontrar o guia que estava reservado.

No caminho até a cachoeira cruzamos um rio com o carro quase flutuando, por isso, em dias de chuva, confirme se é possível fazer a travessia antes de fechar o passeio.   Esse passeio, como brinquei com o guia, tinha uma ótima “andada-benefício”. Isso porque em 1h de caminhada conseguimos ver lindas cachoeiras como a do Recanto Verde e a do Buracão. Essa última me surpreendeu, e, para ser sincero, já não esperava que isso pudesse acontecer após todos os lugares por onde havia passado.

A cachoeira se formava quando o rio mergulhava em um buraco imenso com paredes de rocha em camadas horizontais, sobrepostas artisticamente. O volume de água era tão grande que gerava um turbilhão e um som ensurdecedor quando se estava dentro do buraco. Era obrigatório o uso de coletes para chegar próximo a cachoeira e, dentro do buraco, o tempo parecia parado num universo a parte da superfície.  

Caminho até chegar no Buracão – nadando.
Cachoeira do Buracão.

Voltamos para o carro e na viagem de volta para Lençóis visitamos a cidade de Igatu. As primeiras jazidas foram descobertas no começo do Séc. XIX em Mucugê enquanto Igatu também crescia junto com o garimpo. Visitamos a antiga vila de pedra dos garimpeiros e também o Museu da Galeria Arte e Memória.

Como todo tipo de exploração extrativista, poucas pessoas ganharam muito dinheiro, enquanto que os pobres garimpeiros trabalhavam dia e noite nas jazidas com o sonho de um dia encontrar uma simples pedra que acabaria com sua miséria. A maioria deles, porém, após encontrar pequenas pedras, já as vendiam em Lençóis e torravam o dinheiro ali mesmo com prostitutas e bebidas, retornando ao ciclo de pobreza.  

Casas dos garimpeiros em Igatu.

O garimpo teve seu declínio com o surgimento do diamante sintético no século seguinte e deu lugar ao turismo, que de forma consciente preservou boa parte das riquezas naturais da região.   Mesmo assim, do chão da Chapada ainda brotam ouro e diamante, que são levados de forma manual. O Ibama proibiu a extração por meio de dragas em 1998.

Lençóis e retorno para São Paulo

Retornando para Lençóis contei um pouco de minha aventura para o Fernando que curtiu bastante, mesmo estando um pouco ocupado com a reforma da pousada.   Fiz o check-out e encontrei os holandeses e o Puma em um barzinho ali mesmo no centro. Ficamos relembrando as peripécias até o horário do meu ônibus de volta. O Puma ficou bastante emocionado com a dissolução do grupo e pediu para que voltássemos logo.

Espero poder fazer de suas palavras realidade.  

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