Kingston
Continuando a jornada pela Jamaica, após o relato de Montego Bay à Treasure Beach, entrei no mini-bus em Mandeville rumo à Kingston.
O mini-bus parou em muitos lugares ao longo do caminho até finalmente ficar abarrotado de pessoas. Para terem uma ideia eu praticamente viajei abraçado com minha mochila, o que no fundo foi positivo pois me apoiei nela para tirar um cochilo. Mesmo com o grande número de pessoas, a maioria viajava sentada. A viagem foi uma experiência muito interessante pois o que senti ali foi o cotidiano das pessoas que devem acordar cedo, ir até a estrada caminhando e aguardar o ônibus cheio no acostamento, para finalmente chegar ao seu destino e ganhar a vida de alguma maneira, garantindo o pão de cada dia.
Novamente eu era o peixe fora d’água mas não tive problema algum nem qualquer tentativa de malandragem ou persuasão. Pelo contrário, as pessoas olhavam curiosas, aparentando dispostas e animadas ao longo do percurso.Nesse caminho há um pedágio, o único que vi. Está na T1, uma das melhores rodovias do país, a Bandeirantes jamaicana.
Se você ainda não leu o primeiro relato da Jamaica recomendo entrar neste link para então continuar a segunda parte. 🙂
Foto no início do post: Museu do Bob Marley.
Chegando em Kingston já foi possível perceber o quão grande e populosa a cidade é, em comparação com as outras, com mais natureza e turísticas. Entramos pela área periférica até chegar à rodoviária, que julguei ser de ônibus inter-municipais: uma construção circular com um aglomerado de mini-buses e pessoas, andando de um lado para outro. Desci e fui até a rua mais próxima procurar um táxi, ali aparentava ser uma região mais industrial. Consegui um táxi por um bom preço e pedi para me levar ao hostel, o sugestivo Reggae Hostel.
No caminho o taxista conversava muito rápido com um sotaque forte de pátoa. Eu não entendia muito e só fazia uma cara simpática, afinal, minha atenção estava voltada para as ruas e construções de Kingston. Chegamos no hostel e já fui direto tomar um banho para refrescar, estava um calor infernal naquele dia. Kingston é uma cidade mais quente que as demais, como todas as grandes cidades ao redor do mundo vestidas com asfalto e concreto.
Saí para conhecer o centro, à pé mesmo. Do Hostel até a moderna rodoviária central, a Half Way Tree Transport Centre, eram aproximadamente 15 minutos. Há muitos shoppings e comércio no caminho, o movimento nas calçadas e ruas era intenso e no principal cruzamento, entre as Avenidas Half Way Tree e Hope, um congestionamento dava boas vindas. A energia de metrópole imperava, assim como o clássico contraste entre ricos e pobres.
Depois de passar pela famosa torre do relógio e por uma praça próxima à rodoviária, almocei ali mesmo. Voltei ao hostel e entrei em contato com uma local que conheci pelo Couch Surfing, uma moça chamada Tessi. O chip de celular ajudou muito na comunicação e conseguimos marcar um passeio junto com seus amigos. Ela foi muito receptiva, passou no hostel para me buscar e dali fomos até um Cassino.
Engraçado ir num lugar tão internacional quando se quer conhecer a cultura local, mas o melhor estava por vir.
Saímos do Cassino e a Tessi nos levou até o centro, no Susie’s Cafe, onde aconteceria um evento especial chamado Mojito Mondays. Ficamos ali conversando um pouco e de repende a galera começou a mandar uns passos de dança no meio daquela área aberta, tipo um boulevard. Foi muito diferente, como uma roda de hip hop, porém os grupos mostravam seus passos sincronizados, como que ensaiados.
Até tentamos arriscar uns passos mas não deu muito certo! Um momento um pessoal vinha, depois era a vez de outro grupo, e assim foi noite adentro, muita música e dança no meio de Kingston Town. Segue um vídeo de parte do evento que encontrei no you tube pois não consegui gravar.
No outro dia encontrei novamente o Jorge, que chegava de Negril. Fui fazer o tour cultural com ele, começando pela Devon’s House, que é uma mansão colonial construída em 1881 pelo primeiro milionário negro na Jamaica, George Stiebel. Conta com uma arquitetura muito bonita, além de peças de porcelana e outros itens de época para serem apreciados.
Depois desta visita fomos até a famosa casa do rei. Atualmente Museu do Bob Marley, onde ele viveu parte de sua vida, principalmente durante o ápice de sua carreira, quando foi ao mesmo tempo amado por muitos e odiado por outros. Deixo aqui uma estrofe da música Brilho de Beleza da Gal Costa, em homenagem a ele:
O negro segura a cabeça com a mão e chora, e chora, sentindo a falta do rei.
Brilho de Beleza – Gal Costa.
A visita é guiada e muito interessante, é um casarão mas ainda assim um lugar simples, sem muito luxo. Passamos por todos os cômodos, mini-estúdio e também na parte onde ainda estão as marcas de balas na parede, resultado da tentativa de assassinato em 1976. Lá tem até um mini cinema que passa rapidamente sua história, muitos souvenirs também podem ser comprados ali.
Após essa aventura decidi ir por minha conta até o estúdio Tuff Gong, onde aconteceram as gravações do Bob Marley e sua banda The Wailers. Peguei um táxi pois o estúdio fica um pouco distante do centro. Para ser sincero, fica em um lugar bem isolado.
Lá fui recebido por um negão rasta que me guiou pelas instalações, aparentemente um galpão mas, na essência, foi o local onde tiveram origem muitos ensaios e canções internacionalmente famosas, marcadas na história. Visitamos primeiro uma sala com alguns instrumentos, depois “O” estúdio e também a parte onde prensavam e embalavam os discos de vinis para finalmente comercializar pelo mundão. No estúdio fiquei um tempo observando as paredes de madeira, aquele ar propício para gastar a criatividade. Tinha uma bandeira gigante pendurada desde o teto, com o desenho de um leão, símbolo da cultura rastafari.
Erroneamente as pessoas pensam que as cores vermelho, amarelo e verde são as cores do reggae. Na verdade essas são as cores da bandeira da Etiópia, país de origem do ícone da cultura rastafari, o imperador Haile Selassie. Considerado como um deus ou messias pelas pessoas seguidoras dessa religião, na realidade teve tanto ideias iluminadas como a proibição de armas químicas e a promoção do multilateralismo, como punhos de ferro, aplicando uma gestão autocrata e não liberal durante seu governo no país africano.
O rastafarianismo se espalhou pelo mundo muito por conta do próprio Bob Marley. Outros fatores que contribuíram foi a exploração cada vez maior do povo jamaicano, que buscou ainda mais uma motivação na vida e ter uma voz ativa no mundo. O uso sacramentado da “ganja” também faz parte dessa cultura. É isso mesmo, amantes de Jah! – quando viajei para lá a maconha ainda era criminalizada, a partir de 2015 havia sido liberada para uso medicinal e religioso.
Saí do estúdio muito contente pois considero a música a maior e mais forte das artes, unindo pessoas, garantindo a livre expressão e derrubando muros, não importando quão altos. Ali pude conhecer o berço de muitos gritos por um mundo mais equilibrado e livre.
Voltei ao hostel e naquela noite fiquei apenas conversando com o pessoal, estava bastante cansado e resolvi tirar a noite para recarregar. No outro dia saí caminhando ali por perto e, num dos centro comerciais / feiras, comprei alguns vinis 12″ de reggae, meus presentes da viagem. Encontrei o Jorge para almoçar em um bar-restaurante esportivo, famoso, chamado Tripple Century. É um bar grande e de excelente decoração, ótima comida e, de certa maneira, refinado. Ali me despedi do Jorge, só me encotraria com ele em Port Antonio, próxima parada.
Peguei um mini-bus novamente, na rua ao lado da estação central Half Way Tree e segui para o norte, dessa vez cortando as Blue Mountains, famoso destino na Jamaica. O visual dessa parte da viagem foi sensacional, com muito verde.
Como não tinha tempo suficiente não visitei a parte alta das montanhas mas recomendo passar por lá e conhecer caso haja tempo. Outro passeio que deve valer a pena é o tour pelo bairro Trench Town, bastante tradicional em Kingston. Também existe o tour até o Studio One, um estúdio famoso por lá onde foram gravados inúmeros artistas de reggae da velha guarda.
Port Antonio
Port Antonio é uma cidade pequena a nordeste da ilha, com muitas praias e paraísos a serem explorados.
Não existe uma rodoviária propriamente dita e o mini ônibus parou num tipo de praça no centro.
Não tinha reservado nenhuma hospedagem pois não sabia exatamente qual dia chegaria, assim, perguntei para umas pessoas ali onde se concentravam as pousadas e hostels. Fui “escoltado” por um rapaz sem ter pedido, que foi conversando e por fim me ajudou ao guiar-me até uma das pousadas, dei um par de dólares para ele pela ajuda. Ele já queria combinar um passeio completo de táxi no próximo dia mas falei que iria pensar, tinha acabado de chegar: “easy, my man”!
A pousada era muito boa, localizada no final da King Street, pertencia à um senhor tranquilo. Ficava no topo da montanha ao lado do centro e por isso tinha uma vista privilegiada. O único ponto negativo era ter que subir e descer uma bela ladeira a cada passeio.
A viagem foi cansativa e nesta primeira noite só saí para conhecer os arredores do centro, parando em um boteco copo-sujo para tomar uam Red Stripe e curtir o ambiente. No outro dia já estava renovado, pronto para a próxima aventura.
Fui até o centro para fazer um levantamento rápido dos preços dos táxis, peguei o mais em conta (em torno de 20USD) rumo à famosa Lagoa Azul, que junto com a Turtle Island foi também parte do cenário nas gravações do filme homônimo.
A costa de Port Antonio foi contemplada com lindas paisagens, muita natureza e o mar de cor indescritível, um misto de azul e verde claro. Não é a toa que muitos artistas de hollywood compraram casas ali depois que a cidade foi adotada como um modelo de paraíso em meados do século XX pela indústria cinematográfica. Outros filmes famosos feitos ali foram “Club Paradise” e “Cocktail”.
Chegando na região da Lagoa notei um bairro bem elitizado, parecido com os condomínios luxuosos do Rio ou litoral norte de São Paulo. Muros brancos altos protegendo casas de pés direitos altos e janelas proporcionais de vidro indo até o teto. Havia conversado com o Jorge, que tinha acabado de chegar em P. Antônio e combinamos de nos encotrar ali.
Enquanto ele não chegava caí na Lagoa para nadar, a água estava muito gelada mas valeu a experiência. Tem um bar abandonado na lagoa que, segundo o pessoal, foi um badalado no auge da parceria com hollywood. Relacionamento do qual só restaram troncos caídos e palhas do teto esburacadas.
Assim que o Jorge chegou pegamos um passeio de barco pela costa próxima à Lagoa, até a praia San San e retornando para a Lagoa.
Dali fomos a pé em uma jornada de 2km até a Frenchman’s Cove, uma das praias mais belas que já vi! Tentamos pegar um route taxi no caminho mas todos que passaram já estavam lotados.
A Frenchman’s é uma praia quase privada, com acesso por uma portaria (4USD para entrar). Ela é guardada nos extremos por duas pequenas montanhas que acabam completando a paisagem. Lá tem somente um restaurante que serve alguns pratos tradicionais, excelente pedida para matar a fome de quem já havia nadado e caminhado por toda a manhã.
Ficamos ali por um bom tempo e até dormi na areia de tão relaxado que estava, imerso naquele ambiente. Recomendo muito a visitação dessa praia!
Para fechar o passeio voltamos para o centro e jantamos em um restaurante bastante conhecido de comida do mar, chamado Wilkes Cuisine. No outro dia já me despedia de Port Antonio. Próxima parada: Ocho Rios.
Ocho Rios
Última cidade do roteiro, antes de finalmente voltar à Montego Bay, a vibe não pode acabar!
Devido à sua proximidade com esta última, Ocho Rios é bastante turística. É uma cidade maior, com bares, hotéis e restaurantes grandes, preparados para proporcionar uma boa experiência a todo tipo de turista. Também conta com parques e cachoeiras com ótima infra-estrutura.
Para chegar em “Ochi” (apelido dado a cidade pelos locais), peguei um táxi com o Jorge. No final foi rápido e o preço dividido em 2 compensou. Lá fiquei hospeado em outro Reggae Hostel, mais um da rede, reservado no Hostel World. O hostel é excelente, é um edifício de 3 andares ao lado de uma praça no centro, de frente para a praia e que ainda conta com um bar no terraço, ao ar livre. Ali conheci muitas pessoas, uma galera da Irlanda, outra moça da Alemanha que estava no seu ano sabático e mais alguns locais que passavam por lá para curtir a atmosfera do lugar. Até tatuador mexicano tinha!
No primeiro dia fomos à Dunn’s River Fall and Park de táxi compartilhado. É uma cachoeira com muitas quedas que foi transformada em um point turístico. Pagamos aproximadamente 20USD para entrar no parque e então caminhamos até a praia, onde ela deságua. A partir da praia, subimos por suas quedas de volta a entrada do parque, uma ótima aventura. No meio desse caminho é possível tomar banhos nas quedas da cachoeira, nadar nas piscinas formadas pelo rio e também sacar ótimas fotos.
De volta à entrada do parque é possível almoçar e comprar lembranças nas inúmeras tendas de artesanato. Um ótimo passeio para se fazer sozinho, com amigos ou família, devido à estrutura do parque. Caso você chegue com mochila, eles oferecem armários para guardá-las enquanto você mergulha nas quedas.
Como havia tempo resolvi ir visitar outro parque mega famoso ali, o Dolphin’s Cove. Ali me senti em um parque temático, tipo Hopi Hari. Eles literalmente transformaram uma parte da costa em um reduto pirata, com um mini zoológico de pássaros, tanques com golfinhos e arraias, peixes diversos e tubarões pequenos.
Particularmente não é o meu estilo preferido, é um lugar bastante artificial mesmo com todos esses seres vivos, porém, vale pela experiência dos espetáculos, ótimos guias e ainda bares para relaxar. A paisagem como sempre é única.
Existem vários pacotes que são escolhidos já na entrada e incluem visitação simples, fotos com golfinhos, nadar com golfinhos, experiência de pegar uma arraia na mão, mergulho, entre outros. Os preços vão de 40USD a salgados 160USD. Eu optei por tirar só fotos com os golfinhos, arraias e também nadar com snorkel no meio dos peixes.
Depois de toda essa aventura deitei em uma cadeira ali mesmo em uma pequena faixa de areia e esperei a tarde passar.
À noite fomos todos ao Margarittaville de Ochi, como comentei no post de Montego Bay, essa rede de bares é muito famosa ali no caribe e vale conhecer. Fiquei só por um tempo conversando com o pessoal do hostel, no meio das danças e músicas seccionadas.
No outro dia combinamos todos de visitar o Blue Hole, nas Island Gully Falls, outro parque com muitas cachoeiras e piscinas naturais. Este um pouco mais roots. Alugamos uma van no hostel e toda a galera foi junta, ouvindo o bom e velho reggae até lá.
Como nessa caminhada tem muitas pedras escorregadias eles recomendam alugar umas sapatilhas próprias para andar por ali, 8USD para alugar na entrada. 20USD para comprar definitivamente. Caminhamos por um tempo até chegar no primeiro poço, todos saltaram para dentro sem pestanejar. Trilha acima encontramos mais cachoeiras e piscinas para nadar. Um passeio bem prazeroso. Um detalhe que percebi nesse caminho foi que o guia não era muito consciente em relação ao ambiente pois em alguns momentos jogou papéis sem pensar na trilha, pedi para ele guardar até sairmos dali mas ele pareceu não entender o motivo.
Para fechar Ochi com chave de ouro fomos até uma festa indicada pelo barman do hostel. Não me perguntem onde foi pois um táxi nos levou para os cantos da cidade e lá encontramos um terreno com uma estrutura de DJ montada e grandes caixas de som. Ficamos ouvindo o som clássico dos bares e baladas jamaicanas: uma mistura de reggaeton onde o DJ abaixa o volume subitamente para gritar algumas palavras. Isso acontece umas 10 vezes por música e acaba enjoando, queria poder ouvir a música inteira do início ao fim. As danças eram como sempre eróticas e a noite seguiu neste compasso até umas 3, 4am.
No último dia em Ochi fui andar pela praia na frente do hostel e também comprar algumas lembraças nas feirinhas que tem ali na avenida principal. Peguei um táxi compartilhado com o Jorge rumo à Montego Bay. Lá ficamos em outro hostel próximo ao centro dessa vez. Chegamos à noite e como minha energia já estava se esgotando resolvi ficar por ali mesmo, conversando com o Jorge e outro pessoal do hostel, lembrando as aventuras na ilha rasta. No outro dia peguei o vôo de volta ao Brasil, com escala em Atlanta.
Espero que também façam essa viagem pelas belas paisagens jamaicanas, misturadas em uma história de exploração, forte cultura e superação.
Bye Jamaica, Respect!