Salar de Uyuni e Lagunas – O Paraíso Perdido

No caminho entre Potosi e Uyuni a lua estava bastante iluminada e podíamos ver seu reflexo pálido e branco no mar de montanhas gigantescas, abismos e passagens estreitas onde nosso ônibus mergulhava madrugada adentro.A jornada foi longa porém ambos estávamos ansiosos já que chegaríamos ao primeiro ponto alto da viagem. Ali havia o melhor que a Bolívia tinha a oferecer em termos de belezas naturais e nos fez questionar diversas vezes como toda aquela natureza rara estava relativamente tão próxima mas ao mesmo tempo tão isolada, explorada por poucos. Além dos contrastes com a condição social deste país.Recomendo ler esse post ao som dessa banda pois escrevi ouvindo o mesmo: Inti Illimani.

Chegamos na vila de Uyuni e já era de noite, não tivemos muito o que absorver daquela pequena vila e por isso caminhamos por 10 minutos até o nosso hostel, sob uma temperatura baixíssima. Este hostel tinha dois andares e o segundo era como um mesanino onde era impossível andar ser fazer barulho, só um pé de valsa conseguiria. Deixamos as coisas lá e voltamos para a cidade para encontrar algum lugar onde comer. Por sorte havia uma pequena pizzaria aberta de ambiente bastante aconchegante, com iluminação fraca, pôsteres de cantores bolivianos espalhados e alguns clientes gringos papeando. Pudemos provar duas cervejas locais, incluindo uma que era feita com um ingrediente especial, a famosa “hoja de coca”!


Fomos dormir planejando acordar cedo e sair para procurar a agência que nos levaria para a próxima aventura de 4 dias no meio do deserto, das montanhas e lagoas.Acordamos bem cedo e depois do café clássico de pão com geléia e chá saímos já com as mochilas nas costas para procurar uma agência. A vila é muito pequena, praticamente constituída de umas duas ruas principais  e algumas travessas, forrada de turistas, agências e mercadinhos onde as pessoas compravam muito chocolate e água mineral para levar na viagem. Recomendável comprar suprimentos em Uyuni caso queiram economizar nas paradas que o 4×4 faz, porém não se empolguem fazendo a compra do mês! Também passamos no mercado municipal mas nada havia de muito interessante por lá. Em suma, Uyuni é uma cidade base para todos os passeios na natureza ao redor.

Estação de trem em Uyuni.

Depois de perguntar em algumas agências fechamos com uma que tinha um bom custo-benefício, oferecendo o mesmo roteiro das outras. Lembro que na época (2013) o valor do pacote para cada um foi de aproximadamente Bs750. Já estava perto do horário de partir e o 4×4 antigueira da Toyota encostou ao nosso lado e dos companheiros de viagem, dois casais. Se mostraram muito simpáticos ao longo dos dias, o que contribuiu para o clima de curtição se manter alto. As mochilas foram para o teto do Toyota e iniciamos a jornada que duraria 3 dias em companhia de franceses, ao som orquestrado pelo nosso motorista Omar ou, como diria o Vinicius, DJ Omar. Mais abaixo no relato vocês entenderão o porque!


Antes disso só gostaria de relembrar o roteiro e contar um pouco sobre o Salar de Uyuni e a sua formação. O Salar é o maior deserto de sal do mundo com aproximadamente 10mil km². É ultra plano com variações de no máximo 1 metro de altitude em toda essa vasta área, motivo este de ser utilizado até para calibração de satélites. Podem duvidar, caros leitores, mas já foi um oceano milhões de anos atrás! Após a elevação da Cordilheira dos Andes em combinação com a falta de ladrões naturais para vazão desta água acabou isolado, virando um lago que secaria há 30 mil anos atrás e finalmente um deserto na época e verão. Durante o inverno se torna uma lagoa rasa também, como um espelho gigante onde a terra e o céu se tornam apenas um.


Mapa do Roteiro do Salar e Lagunas


As paisagens já começavam a impressionar, tanto pela imensidão quanto  pela aridez do solo. A primeira parada foi em um cemitério de trens, onde existiu uma ferrovia construída no século XIX pelos ingleses, servindo principalmente para o transporte de minérios. Foi constantemente sabotada pela população local devido à má impressão de invasão que causava nesses povos. Nas fotos abaixo  podemos observar que ela hoje tem o mesmo nível do parque ferroviário brasileiro. 🙂 Curiosamente a idéia do presidente boliviano na época da construção da ferrovia era de modernizar o país, aqui a idéia foi similar acredito eu, porém se evaporou com os quentes interesses das recém chegadas montadoras ao país.

Indiana Jones.

Após algumas brincadeiras nas fotos, saltando, pagando de Indiana Jones e etc, continuamos a viagem até uma vila próxima para comprar suprimentos. Lá conhecemos um sábio e senil senhor, que acabou nos acompanhando e se tornando um conselheiro da viagem principalmente nos dias mais frios. Era o Abuelo, um rum a la Montilla. O Vinicius virou melhor amigo do velhinho à primeira golada.


Continuamos agora rumo ao Salar. Era incrível ver aquele chão extremamente branco, se espalhando em forma de uma colméia disforme, como se cada pedaço fosse lá fixado pelo melhor assentador de pisos. Fizemos uma parada rápida na fronteira e depois seguimos para o centro do deserto, parando no hotel de sal, onde tudo era feito de sal. Muito interessante também! Lá fizemos o primeiro rango, que era preparado pelo próprio motorista Omar. Como sempre estávamos morrendo de fome, era um momento de grande satisfação, de lamber o prato literalmente.Lembro que esse foi o momento no qual descobrimos o talento para DJ do nosso motorista, quando de repente começou um “É o Tchan” no CD Player do 4×4. Ao longo da viagem o repertório só foi melhorando, passando por Raça Negra, Axé Bahia e até uma Lambada, para delírio da francesada.

Continuamos para a Isla de Incahuasi. Uma ilha de cactos no meio do Salar e onde confirmamos que aquele desertão realmente já havia sido um oceano. Subindo até o topo da ilha era possível ver diversas formações de conchas e corais, que se misturavam com os cactos e com o Salar, temperando ainda mais a salada de paisagens que tomava lugar na minha mente naquele momento, sensação realmente única e engrandecedora estar no topo da ilha. Perguntem ao Vinicius!

Vinicius na Isla.

O primeiro dia terminava e partimos para o hotel de pedra, onde após ensinar os gringos como se jogar uma boa sinuca, fomos dormir para conseguir acordar bem cedo. Cházinho, pão com geléia e partimos para as lagunas.No caminho víamos algumas llamas, porém eram raros os momentos de “vida à vista” a não ser os outros 4×4 se esfumaçando no horizonte como sujeira no para-brisa. Visitamos três lagoas em sequência, Canapa, Hedionda e Honda. Vale destacar a laguna Hedionda onde encontramos um grupo grande de flamingos, cena de esfregar os olhos para confirmar que estavam realmente ali, naquele universo paralelo de montanhas e lagoas.


Quanto mais avançávamos menor nos sentíamos diante de todas as paisagens, chegamos à Laguna Colorada onde encontramos um outro grupo de flamingos, cena indescritível. Adicionando a este efeito ainda havia a cor avermelhada da lagoa e a imensidão da montanha bem em frente. Acho que a partir daquele momento a cada parada ficavamos tão impressionados com a paisagem que cada um ia para um lado, andar sem rumo e pensar na vida, da nossa dimensão nesse mundo, das belezas que existem ainda inexploradas e todas as outras minhocações cerebrais que perseguem o ser pensante (ser humano?).Na Laguna Verde, por fim, vimos o Vulcão Licancabur. Nessa lagoa fizemos uma homenagem à Pacha Mama, “mãe terra” na língua do povo Quechua. Espero que a minha torre de pedra ainda esteja lá, firme e forte! A lagoa refletia o vulcão como um espelho e o cunjunto final era novamente sensacional.

Laguna Hedionda.
Foto clássica do Salar.

Continuamos para o próximo hotel onde dormiríamos na noite que se aproximava.
Mais um pouco de filosofia de vida e nesse ponto fiz uma analogia da Bolívia com o Brasil, um país tão belo porém ao mesmo tempo atrasado no desenvolvimento social. Culturalmente a Bolívia possui grande riqueza que se observa somente em países latinos, como se o preço por essa beleza cultural e natural tivesse sido pago na mesma moeda, dando origem à pobreza. Claro que esta foi uma analogia fantasiosa, o real motivo todos sabemos e a fórmula se aplica a toda América do Sul.Neste último hotel aconteceu uma confraternização à noite, com várias mesas compridas no estilo cantina italiana. Ficamos comportados na mesa com nossos amigos franceses, era aniversário de uma das moças e o Vinicius a presenteou com um shot de sal. No final o Vinicius chamou o vovozinho e quando percebemos já estávam conversando, contando histórias e fazendo amizade ou pelo menos tentando, de mesa em mesa.


Madrugamos novamente e dessa vez a viagem foi longa, rumo à fronteira com o Chile. Ainda visitamos Geisers sob uma temperatura baixíssima pela manhã, numa paisagem que mais lembrava o solo lunar! Ainda tomamos um banho numa piscina natural térmica, respirando fundo para ganhar coragem de entrar em uma água de 40ºC e depois retornar para os 10ºC fora dela.

Laguna Colorada.
Vinicius desafiando o espaço tempo.
Lua ou terra?
Vulcão Licancabur e Laguna Verde.

Após muito rodar chegamos à fronteira com o Chile, lá nos despedimos da Bolívia mas por pouco tempo, já que ainda voltaríamos a vê-la no final da viagem. Nos despedimos do Omar, dos nossos amigos franceses e entramos no Chile. Chi chi chi, le le le!

Rumo a San Pedro de Atacama, a cidade de velho oeste com um toque europeu. Hasta luego!

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